As duas cadeiras se entreolhavam. Elas estavam ali, há muito tempo. Uma ao lado da outra. Seus ferros, grudados, já estavam acostumados com o frio de suas estruturas. As cadeiras eram pretas, de bolinhas minúsculas e, amarelas, de estofado macio a esperar pelas nádegas alheias que, com o tempo, acabariam por deformá-las.
Todos os dias, no mesmo lugar, a observar a vida a rolar naquele consultório. Daquele lugar elas viam as pessoas transitarem, pararem, pagarem, sentarem e, levantarem. Todas entravam na mesma salinha e, dalí, saíam para algum lugar cujas cadeiras ignoravam, pois elas, ali ficavam.
Alguns saíam tristes, de cabeça baixa, chorando, sendo amparadas, confortadas por outros braços, outras saíam rindo, cumprimentando as outras pessoas e, as vezes ficavam horas conversando com a moça de azul marinho que fazia a caneta deslizar gentilmente no papel, anotando coisas.
As cadeiras nada sabiam, só que estavam alí há muito tempo, olhando o nada através da janela que ficava atrás da moça de azul marinho. Estavam lá, paradas, neutras, há tanto tempo juntas e, nada sentiam. E nada acontecia. Só as pessoas iam e vinham, vinham e iam.
Vez ou outra, raramente, uma pessoa usava a janela como saída causando muita correria, aí sim, a coisa ficava animada, eram tiradas do lugar e, dava até para contemplar um quadro, de motivos egípcios, na parede ou, olhar outros ângulos da sala, as cadeiras exultavam de contentamento, mas, passada a correria, lá estavam elas no mesmo lugar, a olhar através da janela, a olhar o tempo, um pássaro voando, o sol se pondo, a chuva caindo, nádegas, costas, pessoas indo e vindo, vindo e indo, rindo, chorando, chorando e, rindo.
As duas cadeiras olhavam-se " de rabo de olhos" sem perceber que, á sua frente, sentada em uma cadeira preta de minúsculas bolas amarelas, alguém escrevia, displicente, a história das duas cadeiras pretas, de minúsculas bolas amarelas que faziam parte daquele cenário imóvel.