A Sala Vazia
Maria entrou. A sala estava vazia. Olhou cada canto. Só a poeira do tempo. A janela estava fechada. Os trincos enferrujados. Só a ferrugem do tempo. Teias de aranha. - Mainha. Sim'bora. - Péra fio. Quero ficá mais um poquitinho. Do lado de fora, o sol á pino. O céu azulinho, azulinho de verão. - Lázara, chama mainha. - Dexa ela Zé. Deeeixa ela ficar mais um pouco. Disse Lázara colocando as mãos na cintura. - Tá muito calor. - Tá. - Lázara, São Lázaro é seu padinho? - É “pa-dri-nho”. Sei lá. Diz mainha que sim. - Intão é. Mainha num menti! - É “não mente”. Nem parece que ce vai pra escola. Dentro da sala Maria relembrava os velhos tempos. O namoro, o primeiro beijo, o vestido de noiva, as juras de amor, a primeira gravidez, o primeiro amor, esse que ninguém sabia. Em pensamento foi bater à porta de Pacheco. Era homem bonito, alto, inteligente. Doutor Pacheco, Pachequinho para os amigos, Quinho para as "íntimas". Médico respeitado, casado com dona Maria Auxiliadora, professora. Homem de muitas mulheres, cão vadio, isso sim.. Ela, mulher de um homem só, de um coração só batendo no peito. Vira nascer Clarissa, a filha do casal, ajudara no parto. Vira nascer Esmeralda, a outra filha do casal. Esta nascera no hospital. Vira nascer Lázara, sua filha, a outra filha do Pacheco. O tempo passou, ela voou no tempo, as feiras da cidade, a saudade dos pais, já mortos. Um sorriso brotou no canto da boca, o dente doeu, precisava visitar doutor boticão. A sala tinha cheiro de pó. Pó seco. - Sim'bora mã. - já vô. Saiu o grito de dentro da sala. - Lázara, ce tá doente? - Tô cansada. - Eu tô ficando é cum fome. - Pega essa fruta. Come. Dá um pedaço pro Seboso. Seboso, o cãozinho da família. - Brigado Lázara. Na sala, Maria descobriu uma fresta na janela. Uma ripa quebrada por onde entrava uma réstia de sol. Lembrou de Libório. Ahhh! Libório. Sentiu saudade. Ele seguira estrada já há um ano, antes da colheita do café. Abotoara o palitó. Não chegara a ver Carlinhos nascer. Só faltava três meses. Morreu da tal da, pneumonia galopante. O menino nunca que ia conhecer o pai. Homem trabalhador. Amigo. Fez-se um vazio no coração. O silêncio. Onde estaria as crianças? Esperando por ela, com certeza. De olhos fechados Maria voltou da sua viajem. Só saudade, só saudade. Lá fora o sol escaldante, o chão árido. Os filhos esperando.
Conto publicado na Revista Peruana de Literatura - Palabra en Libertad, e na Antologia - Amor, en el mundo tú eres um pecado. Amante del País Editores - Gaviota Azul Editora, Peru, 2023.
Regina Oliveira
Enviado por Regina Oliveira em 13/03/2022
Alterado em 27/06/2023 |