CONTO
MESA PARA DOIS
Não era mais que meia noite de uma calorosa noite de verão. Vicente caminhava a luz da lua. Ia para casa com aquela mesma sensação que sentia todas as noites.
A guerra deixou pessoas mortas, pessoas feridas, feridas no corpo e na alma. Almas mutiladas. Os mortos foram enterrados. As feridas do corpo tratadas, cicatrizadas para não serem esquecidas; já, as da alma deixaram dores, fantasmas. Os fantasmas eram os piores. Vicente sabia bem o que era isso. O pai, sargento do exército, sumira numa nuvem de poeira atômica, dona Marta, a mãe, nunca o esquecera, nunca aceitara, sempre o esperava. Todos os dias era o mesmo cenário. A mesa posta para dois. A mãe sentada, o olhar no nada. Não havia médicos para curá-la. Era aplicar os remédios e aguardar o esquecimento, a morte. Vicente tinha vinte e dois anos, filho único, sentindo o peso da frustração. Namoradas? Uma ou outra. Só para distração. Afastar um pouco a solidão que lhe ganhava a alma. Não queria se prender a alguém, tampouco arrastar alguém para o mundo desolado que vivia. Retardava a chegada mais que podia, já que ele nunca chegava. Madrugada dentro caminhava taciturno, sozinho, ás vezes até ao amanhecer do dia, e ia para casa ministrar os medicamentos. Encontrar a mesa posta para dois. Mal fechava a porta atrás de si e ouvia, “-Francisco, é você? Demorou a chegar. Sabia que viria.”, surgia a figura da mãe, os olhos vidrados, parados no tempo. Colocava na velha vitrola sempre a mesma balada. Aconchegava-se ao seu peito e começava a dançar, agarrada a ele como se agarrasse a vida. E nesse embalo ele a levava para a cama, dava-lhe os comprimidos e, deitava-a a acariciar os cabelos até que ela dormisse feliz. Quantas vezes pensara em afogá-la com o travesseiro ou aumentar a dose do remédio e, acabar com aquele sofrimento que o condenava a solidão, encarceirava-o ao lado da mãe, matando-o aos poucos. Via-a envelhecer naquela confusão mental. Se tivesse coragem...ah...se tivesse coragem,mas não tinha. Amava-a. Aquela mulher desafortunada. Nesses momentos se angustiava, se flagelava por ter tais sentimentos, por querer a liberdade que a loucura da mãe, o tirava. Olhou a mãe dormindo. Um sorriso nos lábios. Uma fantasia, Um fantasma. O pai. Numa certa vez ousara chamá-la á realidade. – Mãe, sou eu, seu filho. O pai não vai voltar. O pai tá morto.”, mas nada adiantou. Com o olhar vidrado, perdido no nada, ela só disse: “- Francisco, é você? Demorou a chegar. Sabia que viria.”, e novamente, a mesma balada encheu de rítimo o ar, a mesma dança, a mesa posta para dois. Regina Oliveira
Enviado por Regina Oliveira em 06/03/2014
Alterado em 05/08/2014 |