Crônica do Dia Seguinte
"Quem nunca cometeu pecados que atire a primeira pedra."
Jesus Cristo
A lua ilumina o rosto do menino aflito. Menino diz: - Tenho medo da noite...(suspiro) uiscuru iscondi sombras assustadoras. Depois das estrelas só o silêncio oculta os anjos negros que ascendem seus cachimbos de craque e fogem nas beiras dos córregos imundos, entre ratos e tocos de madeira , e restos de comidas azedas vomitadas das latas de lixos das casas vizinhas. O irmão do menino diz: - Eu nunca fiz mal a ninguém, uzotros qui num acertaru cumigo...Eu tô aqui... irmãozinho...tô di boa! , diz para tranquilizar o irmão. O menino observa um grupo. Pergunta: - Quem são eles? O irmão do menino responde: - Us "vampiros" da noite. Massas humanas que sugam da boca a fumaça dus viciadus. A fumaça da morte. Si a morte tem chero, tem chero de diesel...e outras porcarias que o mundo exala i qui eles cheram! Eles num tem medo di morrê. O menino, com curiosidade pergunta: - Qui chero tem essa droga?
...barulhos da noite...cri...cri...cri...
O irmão do menino responde:- Sei lá, pra que qui cê qué sabe, muleque? (repreende o irmão) - Só sei o que dizem...Nunca botei essa merda na boca, não...nem no nariz...nem sei se essa porra tem chero...(risos), diz: - Me dá um cigarro, e depois pergunta: - Tem um isquero aí? O menino responde: - Toma, só tem esse...tô sem grana pra compra mais...a dona Ida morreu. O irmão do menino pergunta: - Tá fumando é? (pausa) depois diz: - Coitada! U Neto deve di tá mal. Ele adorava ela mais...pra ele vai se bom, vai herda o barraco da velha. Fuma não piqueno. O menino diz: - Respeito, oh, si a mãe ti vê falando assim. A dona Ida era gente boa prá caramba...Tô...I...num conta pra mãe. O irmão do menino diz: - É...isso chatiô...bom motivo prumoverdose...sieu gostasse tanto dela assim...cê divia cria vergonha na cara, cigarro vicia, seu troxa. O menino diz: - Volta pra casa...a mãe ti predoa. O irmão do menino diz: - Mãe sempre perdoa. É per-do-a. Todasas mães merecem u ceu, depois pergunta: - Foi ela qui ti mando? O menino responde: - Não...sabi qui não. Ela sofre mais num dá u braço à torce. Qué sabe? Queria qui cê morresse. Levanta-se dando as costas para o irmão.
...Barulhos da noite...cri...cri...cri...
O irmão do menino responde:- Seria bom morrê...mais num fala assim não, maninho...eu ti amo, e depois pergunta: - Qui hora vai sê u interro? O menino pergunta: - Da dona Ida? O irmão do menino responde: "-Não...u meu..., e depois pergunta: - Quem foi qui morreu puracaso? O menino, distraidamente, assustado diz: - Foi ontem. Tinha poca genti...só u povo da vila. O irmão do menino diz: - Interru de pobre, ehhh, sei... O menino pergunta: - I a mãe? O irmão do menino responde: - Dizprela quieu mandei um bejo...quieu amumuito ela. Uma visita inesperada chega: - Parado aí...Parado aí. O irmão do menino sai correndo em desabalada carreira. O menino responde: - Calma...Calma... A visita inesperada diz: - Parado...mão na parede fedelho joga essa merda que tá na sua mão. O menino diz: - Num tem nada não moço. A visita inesperada diz: - Vai embora muleque, qui cê tá fazendo aqui? O menino responde: - Vim procurá meu irmão mais num incontrei. Diz, moço... A visita inesperada responde: - Vai garoto, vai bora, anda. O menino insiste: - Posso pidi uma coisa...só? Num mata meu irmão não. A visita inesperada responde: - Num vo matá ninguém. Não sou assassino não, minino. O menino diz: - Sabe moço, a gente sempre ouvi... A visita insperada responde: - U povo fala dimais. Agora vai quisso tá ficando pirigoso! O menino diz: - meu irmão tá acabado. Miamãe até pidiu prele voltá, mais... A visita inesperada diz: - Num quero sabê garoto, vai, vai. O menino vai sem olhar para trás. A lua fria caminha brilhante no ceu. A madrugada esvai-se nos braços da noite, como as prostitutas nos braços dos seus fregueses nos quartos pequenos e sujos dos hotéis baratos, cheirando a sexo. A vida escorre como areia do tempo entre os dedos ágeis das trevas noturnas. No silêncio da noite a moça desconhecida, mas esperançosa, deixa na encruzilhada um feitiço de amor. Na mesma encruzilhada cães e homens disputam a farofa do santo. A cachaça e as velas já se foram, quem sabe para aquecer a noite dos que vivem na noite. E as rosas vermelhas? As rosas vermelhas são mudas, se elas pudessem dizer algo, talvez dissessem nada. Esse conto faz parte do livro: Coração Inquieto - contos, de minha autoria. Regina Oliveira
Enviado por Regina Oliveira em 29/02/2012
Copyright © 2012. Todos os direitos reservados. Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor. |