A terceira face da moeda é a verdade sinistra. Aquela que todos escondem, que todos temem por medo, vergonha...ou por simples coerência. Verdades protegidas da História, das Ciências, da filosofia. O que está além, das entrelinhas. A terceira face da moeda.

Coração Inquieto

"Eis o meu corpo, meu Templo Sagrado, casa de minh'alma onde mora o meu Amor."

Textos


Crônica do Dia Seguinte
"Quem nunca cometeu pecados que atire a primeira pedra."
Jesus Cristo
 

      A lua ilumina o rosto do menino aflito.
      Menino diz:
      - Tenho medo da noite...(suspiro) uiscuru iscondi sombras assustadoras.
      Depois das estrelas só o silêncio oculta os anjos negros que ascendem seus cachimbos de craque e fogem nas beiras dos córregos imundos, entre ratos e tocos de madeira , e restos de comidas azedas vomitadas das latas de lixos das casas vizinhas.
      O irmão do menino diz:
      - Eu nunca fiz mal a ninguém, uzotros qui num acertaru cumigo...Eu tô aqui... irmãozinho...tô di boa! , diz para tranquilizar o irmão.
      O menino observa um grupo. Pergunta:
      - Quem são eles?
      O irmão do menino responde:
      - Us "vampiros" da noite. Massas humanas que sugam da boca a fumaça dus viciadus. A fumaça da morte. Si a morte tem chero, tem chero de diesel...e outras porcarias que o mundo exala i qui eles cheram!  Eles num tem medo di morrê.
      O menino, com curiosidade pergunta:
      - Qui chero tem essa droga?
      ...barulhos da noite...cri...cri...cri...
      O irmão do menino responde:
      - Sei lá, pra que qui cê qué sabe, muleque? (repreende o irmão) - Só sei o que dizem...Nunca botei essa merda na boca, não...nem no nariz...nem sei se essa porra tem chero...(risos), diz:
       - Me dá um cigarro, e depois pergunta: - Tem um isquero aí?
      O menino responde:
      - Toma, só tem esse...tô sem grana pra compra mais...a dona Ida morreu.
      O irmão do menino pergunta:
      - Tá fumando é? (pausa) depois diz:
      - Coitada! U Neto deve di tá mal. Ele adorava ela mais...pra ele vai se bom, vai herda o barraco da velha. Fuma não piqueno.
      O menino diz:
      - Respeito, oh, si a mãe ti vê falando assim. A dona Ida era gente boa prá caramba...Tô...I...num conta pra mãe.
      O irmão do menino diz:
      - É...isso chatiô...bom motivo prumoverdose...sieu gostasse tanto dela assim...cê divia cria vergonha na cara, cigarro vicia, seu troxa.
      O menino diz:
      - Volta pra casa...a mãe ti predoa.
      O irmão do menino diz:
      - Mãe sempre perdoa. É per-do-a. Todasas mães merecem u ceu, depois pergunta:
     - Foi ela qui ti mando?
     O menino responde:
     - Não...sabi qui não. Ela sofre mais num dá u braço à torce. Qué sabe? Queria qui cê morresse. Levanta-se dando as costas para o irmão.
...Barulhos da noite...cri...cri...cri...
      O irmão do menino responde:
      - Seria bom morrê...mais num fala assim não, maninho...eu ti amo, e depois pergunta:
      - Qui hora vai sê u interro?
      O menino pergunta:
      - Da dona Ida?
      O irmão do menino responde:
      "-Não...u meu..., e depois pergunta:
      - Quem foi qui morreu puracaso?
      O menino, distraidamente, assustado diz:
      - Foi ontem. Tinha poca genti...só u povo da vila.
      O irmão do menino diz:
      - Interru de pobre, ehhh, sei...
      O menino pergunta:
      - I a mãe?
      O irmão do menino responde:
      - Dizprela quieu mandei um bejo...quieu amumuito ela.
      Uma visita inesperada chega:
      - Parado aí...Parado aí.
      O irmão do menino sai correndo em desabalada carreira.
      O menino responde:
      - Calma...Calma...
      A visita inesperada diz:
      - Parado...mão na parede fedelho joga essa merda que tá na sua mão.
      O menino diz:
      - Num tem nada não moço.
      A visita inesperada diz:
      - Vai embora muleque, qui cê tá fazendo aqui?
      O menino responde:
       - Vim procurá meu irmão mais num incontrei. Diz, moço...
       A visita inesperada responde:
      - Vai garoto, vai bora, anda.
      O menino insiste:
      - Posso pidi uma coisa...só? Num mata meu irmão não.
      A visita inesperada responde:
      - Num vo matá ninguém. Não sou assassino não, minino.
      O menino diz:
      - Sabe moço, a gente sempre ouvi...
      A visita insperada responde:
      - U povo fala dimais. Agora vai quisso tá ficando pirigoso!
      O menino diz:
      - meu irmão tá acabado. Miamãe até pidiu prele voltá, mais...
      A visita inesperada diz:
      - Num quero sabê garoto, vai, vai.
      O menino vai sem olhar para trás.
      A lua fria caminha brilhante no ceu.
      A madrugada esvai-se nos braços da noite, como as prostitutas nos braços dos seus fregueses nos quartos pequenos e sujos dos hotéis baratos, cheirando a sexo.
      A vida escorre como areia do tempo entre os dedos ágeis das trevas noturnas.
      No silêncio da noite a moça desconhecida, mas esperançosa, deixa na encruzilhada um feitiço de amor.
      Na mesma encruzilhada cães e homens disputam a farofa do santo. A cachaça e as velas já se foram, quem sabe para aquecer a noite dos que vivem na noite.
      E as rosas vermelhas? As rosas vermelhas são mudas, se elas pudessem dizer algo, talvez dissessem nada.



Esse conto faz parte do livro: Coração Inquieto - contos, de minha autoria.










Regina Oliveira
Enviado por Regina Oliveira em 29/02/2012
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